segunda-feira, 30 de maio de 2011

A saúde de Dilma Rousseff na capa da revista - Por Brizola Neto, no blog Tijolaço - de Brasília

29/5/2011 11:25, 
Dilma
Foto usada pela revista das Organizações Globo para ilustrar matéria sobre a saúde da presidenta Dilma
Alertado por um leitor, fui ver a capa da Época, na qual uma foto da presidenta, de olhos fechados, é usada para ilustrar uma matéria sobre uma suposta gravidade de seus problemas de saúde. É sordidamente mórbida.
Registra que os seus médicos dizem que ela “apresenta ótimo estado de saude”, mas a partir daí tece uma teia mal-intencionada e imunda sobre os problemas que ela apresentou e os outros que tem, normais para uma mulher da sua idade.
O hipotireoidismo, por exemplo, é problema comuníssimo entre as mulheres de mais idade. É por isso que todo médico pede a elas, sempre, o exame de TSH. E o hormônio T4 – Synthroid, Puran, Levoid, Euthyrox e outros – tomado em jejum, é a mais básica terapêutica, usada por anos e anos por milhões de mulheres do mundo inteiro.
A revista publica uma lista imbecil de “medicamentos” que a presidente tomava, em sua recuperação de uma pneumonia, listando tudo, até Novalgina, Fluimicil e Atrovent (usado em inalação até por crianças), e chegando ao cúmulo de citar “bicarbonato de sódio – contra aftas”.
Diz que o toldo que abrigou Dilma de uma chuva, em Salvador, “lembrava uma bolha de plástico”.
Meu Deus, o que esperavam que fizessem com uma mulher que se recuperava de um princípio de pneumonia? Que lhe jogassem um balde de água gelada por cima?
Essa é a “ética” dos nossos grandes meios de comunicação. Não precisam de fatos, basta construírem versões, erguendo grandes mentiras sobre minúsculas verdades.
Esses é que pretendem ser os “fiscais do poder”. Que imundície!
Leia abaixo a nota Hospital Sírio-Libanês rebatendo a revista:
Relatório médico do Hospital Sírio-Libanês sobre Dilma em resposta à Época
“Por solicitação da Exma. Presidenta da República, Sra Dilma Vana Rousseff, o Hospital Sírio-Libanês emite o presente relatório médico.
No início de 2009 a Presidenta Dilma Vana Rousseff foi submetida a avaliação clínica por seu cardiologista, Professor Dr. Roberto Kalil Filho, quando foram indicados exames de rotina, incluindo uma angiotomografia de coronárias, realizada em 20 de março de 2009 no Hospital Sírio-Libanês. Neste exame foi detectado um nódulo axilar esquerdo, com 2,3 cm. de diâmetro e características suspeitas. Uma biópsia excisional deste gânglio foi realizada no dia 3 de abril de 2009, e o diagnóstico final foi de Linfoma Difuso de Grandes Células do tipo B, CD20 positivo. Exames de estadiamento incluíram PET-CT e biópsia de medula óssea, sem achados adicionais. O estadiamento final foi IA.
De abril a julho de 2009, a Sra. Presidenta recebeu tratamento específico para seu tipo de linfoma, incluindo 4 ciclos de R-CHOP (Rituximab, Ciclofosfamida, Vincristina, Doxorrubicina e Prednisona). Durante o tratamento a paciente apresentou miopatia por corticóides e neutropenia transitória. Como complementação ao tratamento quimioterápico, foi indicada e realizada radioterapia envolvendo a axila e fossa supra-clavicular esquerdas. Após o término do tratamento, a paciente foi considerada em remissão completa, passando a acompanhamento de rotina.
Em 23 de dezembro de 2009 a Presidenta Dilma veio a este hospital com sintomas de vias aéreas superiores, acompanhados de febre baixa, sendo diagnosticada com Influenza A (H1N1), por técnica de PCR no swab nasal, tendo sido tratada com Oseltamivir, com resolução completa do quadro.
Em 20 de março de 2010, a Sra. Presidenta apresentou um edema na região cervical. Nesta mesma data, optou-se pela retirada do cateter venoso central (port-a-cath) com resolução quadro clinico.
Na noite de 30 de abril de 2011, a Sra. Presidenta deu entrada no Hospital Sírio-Libanês com sintomas de tosse, febre e mal-estar geral. Foram realizados exames completos que incluíram sorologias, hemoculturas, exames gerais e tomografia de tórax. O diagnóstico final foi de uma broncopneumonia. A Sra. Presidenta foi tratada com os antibióticos Ceftriaxona e Azitromicina, com resolução completa dos sintomas. Os exames sorológicos específicos e culturas não identificaram o agente etiológico. Na mesma data, foram realizados exames de imagem e de sangue para controle do linfoma, todos com resultados negativos. A Presidenta Dilma continua em remissão completa do linfoma, e não há nenhuma evidência de deficiências imunológicas, associadas ou não ao tratamento do linfoma realizado em 2009.
Em 21 de maio de 2011 a Sra. Presidenta realizou tomografia de tórax de controle, mostrando resolução completa do quadro de pneumonia detectado no mês anterior.
Do ponto de vista médico, neste momento a Sra. Presidenta apresenta ótimo estado de saúde.
As equipes que assistem a Sra. Presidenta são coordenadas pelos Profs. Drs. Roberto Kalil Filho, Paulo Hoff, Yana Novis, David Uip, Raul Cutait, Carlos Carvalho e Milberto Scaff, Julio Cesar Marino.
Antônio Carlos Onofre de Lira, diretor técnico do Hospital Sírio-Libanês
Paulo Ayroza Galvão, diretor clínico do Hospital Sírio-Libanês”.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

A grande imprensa e o preço do silêncio (Enio Squeff - Carta Maior)

Colunistas| 05/05/2011 | Copyleft
DEBATE ABERTO

A grande imprensa e o preço do silêncio

Balzac insistia em que se a imprensa não existisse para bem da sociedade, não deveria ter sido inventada. Na época, o jornalismo tinha pouco a ver com informação. Supunha-se que os jornais devessem servir menos como noticiários, e mais como espaços de opinião. Se alguém encontrar algo de parecido com presente, talvez não seja só uma volta ao passado.

A sugestão implícita de Balzac, no seu "Ilusões Perdidas", de que a profissão mais antiga do mundo, pode não ser necessariamente a prostituição, dá-se num contexto em que ele fala do jornalismo. Na época, o jornalismo era uma novidade. O escritor insistia em que se a imprensa não existisse - literalmente, para bem da sociedade, "não" deveria ter sido inventada. Mas já que fazia parte do repertório do seu mundo - que se fizesse presente com tudo de ruim que pudesse acarretar. Na França de então, o jornalismo tinha um sentido unívoco e equívoco, pouco a ver com a informação. É possível que fosse por isso que nos dicionários portugueses antigos a palavra jornalismo não existia. Quem quer que publicasse suas opiniões em diários, era simplesmente "publicista". Supunha-se que os jornais devessem servir menos como noticiários, do que como espaços para opiniões dos possíveis "publicistas". Se alguém, enfim, encontrar algo de parecido com o que se tem hoje em dia, talvez não se trate apenas de uma volta ao passado.

De fato, para os brasileiros que tiveram uma experiência democrática antes dos tempos obscurantistas da Ditadura, deve soar como uma advertência a mudança que houve não só com a nossa imprensa. Até para além da segunda metade do século XX, superados os tempos de Balzac, portanto, os americanos principalmente (sempre eles) descobriram que a notícia custava dinheiro, um bom dinheiro. O jornal que literalmente "furasse" os concorrentes, adiantando-se ao que ninguém tinha dado, era premiado com a compra quase compulsória da sua tiragem inteira por parte dos leitores. Os negócios se faziam, muitas vezes, na contramão dos interesses dos governos e dos grandes conglomerados empresariais. Ganhava a concorrência quem se mostrasse atento às novidades, mesmo que sob a ameaça de perder um ou outro anunciante.

Dizer que, hoje em dia, o silêncio é gritantemente mais lucrativo, parece rebarbativo - mas não deveria ensejar qualquer surpresa. Chega a ser patético: a revista que omite o nome do banqueiro bandido, parece ignorar que o texto do relatório que o incrimina é público. E que as pernas curtas da mentira tropeçam já no dia seguinte, quando a coisa vem a baila trazida ou pela internet. Ou pelo concorrente que muitas vezes até nem gostaria de contar a história toda.

Renato Pompeu, jornalista veterano de larga experiência na imprensa graúda, tempos atrás, definia as coisas da seguinte maneira: na época em que as denúncias, como novidade, valiam mais que o silêncio, como corrupção, o repórter que adentrava a redação, ao ser inquirido pelo editor, normalmente era exaltado e ganhava a manchete de primeira página, se dissesse ; "tenho uma notícia que ninguém deu...". Conforme Pompeu, hoje as coisas se dão forma contrária. Ao repórter que disser ter uma notícia que ninguém deu, quase certamente receberá do editor a advertência de que "se ninguém deu", o fato não tem importância alguma.

Entre o "furo", ou seja, a notícia e o silêncio, vale até muito mais a "barriga", isto é, a mentira. Ou, como dizia Mário Quintana, de forma amena, vale mais a história que se esqueceu de acontecer.

A isso os jornais chamam de direito à "interpretação". Omitir eqüivale quase sempre a mentir - mas isso importa?

Como certas questões são irretorqüíveis, haja prêmio à dubiedade das respostas. Nas últimas semanas, tornou-se insuportável à grande imprensa admitir que, talvez, ("sabrá Dios", como dizia um bolero, no tempo dos boleros), a presidenta Dilma Rousseff seja também "competente", além não fazer uma política muito diferente da de seu antecessor. Para o primeiro caso, a questão se torna premente: se a presidenta fizer uma boa gestão, poderá ensejar o "pior dos mundos" - para eles, naturalmente - e então, poderá vir a ser reeleita. Para o segundo, porém, será a volta do "ogro" - leia-se "Sapo Barbudo". Como se sabe, Lula saiu da presidência com mais de oitenta por cento de popularidade. Fica a questão: precisará sair de casa para ser reeleito uma segunda vez?

Na dúvida, a recorrência a tal ambigüidade é sempre uma boa idéia. Os editores da "Folha", por exemplo, devem ter morrido de rir da manchete - das poucas - que a presidenta mereceu do jornal em sua ida à China. Lá, à parte os bilhões de dólares prometidos, ela teria feito o inevitável, ou seja, como disse o jornalão: "Dilma vende direitos humanos na China". Para o incauto leitor, meia palavra basta: a presidenta conseguiu sim o que queria - mas "vendeu" os direitos humanos no Brasil. "Espera aí" - dirá o autor do título da manchete "não é nada disso: o que a Folha quis dizer é que a presidenta "vendeu" não no sentido em que se pode entender a manchete - mas que agiu como uma publicitária: foi à China e lá expôs o fato positivo de que os direitos humanos são respeitados no Brasil."

Digamos que o verbo "vender" não tinha um sentido que tem: era uma referência ao valor dos "direitos humanos". Já que tudo é negócio, os chineses teriam tido uma informação positiva sobre o estado democrático-"comprável" - do País. Tudo seriam meias verdades. E quanto mais ambígua a notícia, tanto mais os jornalões se livram da pecha de mentir, por omitir.

Quanto vale o silêncio? Para não difundir que o presidente Barack Obama apontou o Brasil como exemplo a ser seguido pelos Estados Unidos, como afirmou o mandatário americano em seu discurso de um mês atrás, talvez o silêncio renda uma boa publicidade dos governos de oposição. Ou, quem sabe (o que é mais razoável) renda o desconhecimento do grande público de que hoje as coisas podem estar melhores do que nunca estiveram. E que, afinal, o Brasil não mudou nada - continua aquela porcaria de antanho; ou como dizia o ex-presidente FHC - aludindo a Nelson Rodrigues -persistiríamos em nossos complexos de "vira-latas".

A questão tem muitas dimensões. O senador Aécio Neves foi flagrado com a carteira de habilitação de motorista já vencida. Um erro grave, mas não imperdoável: todos podemos nos esquecer de que não renovamos a carteira e de que isso implica pontos negativos na nossa condição de motorista. O grave, contudo, foi um senador da República negar-se a fazer o teste de bafômetro. Fica a suposição de que tivesse ingerido bebida alcoólica além da conta. Como tratar a coisa? Dando a notícia, com o direito ao político de se defender. A grande imprensa - uma vez que ele possa vir a ser o futuro candidato da oposição - e uma vez concedendo à notícia - que de resto chegou a ser (pouco) difundida pelas rádios e televisões, - tratou de que a coisa fosse esquecida o mais rapidamente possível.

Acontecesse, porém, com qualquer político da situação, ocupasse ou não um cargo relevante, as manchetes estariam berrando, haveria gritos de toda a ordem ainda hoje a provocar manchetes nos jornais.

Casos do tipo, são tão numerosos, tão flagrantes que nem vale a pena mencioná-los. O pior, contudo, parece ser o silêncio. Vale a velha máxima - se o jornalão não deu, ninguém sabe o que aconteceu. Mas será que ela vale mesmo?

Hoje muito menos. E se a tiragem dos jornais está diminuindo, não é apenas por conta do mercado, além dos jornais e jornalistas. Esses cumprem a sua moda, o corolário da "omertá": o silêncio será sempre inevitável tanto se for para evitar que os governos que eles acham não lhes convir - puder se locupletar e tirar alguma vantagem junto à opinião pública, quanto o contrário: se a discussão sobre as deficiências do transporte público implicar a cobrança da ineficiência de certos governos, "amigos da casa" - instaure-se o silêncio.

Parece ser assim com tudo. Baudelaire, quase ao mesmo tempo que Balzac, assacou uma conclusão interessante a propósito da imprensa da época: ela silenciava sobre o que não era sucesso. Para dizer o óbvio: ela só se permitia a discutir o que ela mesmo incensava. A imprensa só fala sobre o sucesso - constatava o desencantado poeta, como a dizer ser praticamente impossível descobrir ou insistir na novidade. Não naquela com endereço certo, urdida pelo mercado - como o das artes, por exemplo - essa seria sempre louvada. Não foi por acaso, em suma, que o próprio Baudelaire seria combatido e ignorado.

Passados mais de um século, a regra continua. E se a bom tempo a Escola de Frankfurt, sem muitos filosofismos constatou que a indústria cultural exerceria o seu poder, para impor as regras do sistema (leia-se mercado), não é por outra razão que temos uma cultura administrada. O silêncio sobre os artistas que não cumprem a cartilha da academia, faz-se sempre em consonância com os interesses da tal indústria. Continuamos como dantes no quartel de Abrantes. E, no caso, sob a égide de um paradoxo.

De tanto ser xingada por não acolher a vanguarda nas artes, a academia e a indústria uniram-se na consideração de que há uma "vanguarda confiável" - aquela que se define como a "contestadora"a favor" - e que se locupleta por aparecer perante a opinião pública como "enfant térrible", por "ter a coragem" de "arrostar" os governos e as instituições, principalmente se forem comandadas por gente de esquerda.

E que não corre risco algum ao xingar o poder, num país onde, por enquanto, vigem regras democráticas. Ou contra as gentes que os jornalões querem ver longe dos órgãos culturais: eles seriam incômodos por proporem que a vanguarda pode estar do lado do povo e não longe dele, como nas bienais, e salas de concertos. Ou longe dos shows da moda.

Alguém já desafiou que se encontrassem na grande mídia jornalistas de esquerda. Apostava que isso não existiria. Evidentemente, ninguém topou o desafio. Afora um ou outro cronista, perderia. Como perderia se apostasse em encontrar algum artista de esquerda, ou contra o sistema, a ser festejado como são os de direita. Há sim, os renegados que ainda ostentam a máscara de esquerda, coisas de antanho. Esses são sempre bem vindos, obrigado.

É curioso: nunca a era da informação foi tão pródiga em desinformação. Um exemplo relativamente desimportante, mas que mostra como funciona a coisa, deu-se há pouco em São Paulo. Durante a semana inteira anunciou-se a estréia mundial, pela Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado), de uma peça do compositor Willy Corrêa de Oliveira. É dos poucos artistas brasileiros que não compõem as panelas acadêmicas - embora tenha sido professor na USP. E é dos raros, igualmente, que não se considera apartado da política em qualquer sentido. Não se define como um saudoso do estalinismo, mas é um anti-capitalista com todo o alarde que isso possa comportar num mundo onde - máxime - não ser neoliberal, já o colocaria como "avis rara" entre seus iguais. Por motivos entre os quais ele alinha a certeza de que sua obra não seria bem executada pela orquestra, já que a sua partitura é de difícil execução, ele cobrou a promessa explícita, de que a orquestra a ensaiasse bastante. Para tanto, combinou com o maestro Isaac Karabtchevsky encontrá-lo, dias antes, do início dos ensaios, justamente para alertá-lo sobre alguns procedimentos a serem seguidos pela orquestra, e que não estão tão claros na partitura que escreveu.

Como o encontro não se realizou; e a orquestra faria apenas três ensaios para executar a peça, Willy Corrêa de Oliveira pediu que retirassem a obra do concerto. Para o mundo restrito da música clássica, em outros tempos, seria uma notícia quase bombástica: sugere-se (e é sempre verdade), que quando uma orquestra leva a sério o compromisso de tocar bem, que um compositor se sinta honrado de ter sua música executada por um conjunto tão bom quanto a Osesp. Mas a possibilidade de que mesmo uma orquestra da sua qualidade, muito dificilmente tocaria a contento a partitura, o compositor desistiu de contar "como glória", de ter a estréia mundial de sua peça pela Osesp.

O que se quer dizer é que, no frigir dos ovos, brigas de compositores com regentes, ou com orquestras, não são tão freqüentes para serem ignorados. No dia do concerto, porém, preferiu-se não se contar aos ouvintes e aos leitores, uma história, afinal, no mínimo, polêmica. No entanto, o jornalista indicado pela "Folha" para escrever sobre o concerto, simplesmente omitiu o fato. Preferiu fazer uma matéria toda em torno da nona sinfonia de Gustav Mahler - compositor consagrado de quem a orquestra já tocou quase toda a obra orquestral, ao longo de sua existência mais que cinqüentenária. E suma: ao lugar-comum repetido à exaustação nas escolas e nas redações, de que notícia é o homem morder o cachorro, preferiu-se o absolutamente convencional de anunciar, pela undécima vez, que a orquestra iria tocar uma obra conhecida de um compositor consagrado, com descrição até bem feita sobre as observações do maestro nos ensaios. Mas nada sobre a proibição da orquestra de tocar a peça do Willy.

O que fica do episódio, enfim, é que, para os jornalões, conforme a conveniência, a notícia, a grande notícia, é o cachorro morder o homem.

Por que omitir uma história em tudo interessante? Certamente porque a direção da orquestra não quis. E porque assim ninguém dá a noticia que ninguém deu. É essa a lógica.

Mas é essa a lógica para tudo mais. A fim de não informar que o presidente Osni Mubarack foi tirado do hotel em que se auto-exilou pela mesma multidão que o apeou do poder, um mês antes, a grande imprensa seguiu a cartilha imposta desde fora, do monopólio das agências de notícias, de que já não há mais nada no mundo árabe, fora da Líbia e da Síria, que possa interessar. Para os leitores ocidentais, em suma, faz de conta que o movimento das massas egípcias já não existe. Que o mundo árabe voltou a estaca zero. Que as forças armadas é que mandam e fazem, de novo, no Egito, como a sra. Hilary Clinton gostaria que acontecesse, já que não pode evitar a queda de Osny Mubarack.

Parecerá relevante constatar que de Seca a Meca é assim, hoje, não só no Brasil? Deixemos aos leitores meditarem sobre as considerações do velho Balzac.

Enio Squeff é artista plástico e jornalista.

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segunda-feira, 2 de maio de 2011

A estratégia inteligente do financismo (Paulo Kliass)


DEBATE ABERTO

A estratégia inteligente do financismo

Como não dá para criticar ostensivamente a volta da presença do Estado na esfera econômica a partir do aprofundamento da crise, os representantes do capital financeiro passam a destilar seu veneno contra os males da ação pública, com a ajuda do espaço oferecido pelos grandes jornais.

Em um enfrentamento de médio prazo, as forças políticas e os defensores de idéias e propostas necessitam estabelecer estratégias de como se relacionar com os adversários e com o público a ser convencido. Não basta apenas ter as melhores proposições e tampouco apenas ser sustentado pela comprovação de que as mesmas são, de fato, as mais adequadas a uma determinada realidade.

Mais do que isso, é necessário que a maioria das pessoas estejam convencidas de tal coisa. A questão fica ainda mais complicada quando se trata de temas de maior densidade técnica, em terrenos escorregadios, onde poucos se sentem com capacidade e conhecimento para compreender e debater os fenômenos em foco.

E aqui entram em cena mecanismos fundamentais para a criação de consensos no interior da sociedade. Infelizmente, ao longo desse processo, pouco importa se são consensos forjados pelo apego emocional ou de pouca sustentabilidade racional. Do ponto de vista da lógica dos defensores das propostas em disputa, o que vale é o resultado final do embate. Quem ganhou, quem perdeu.

O conceito de hegemonia pode nos ajudar a entender melhor o quadro atual. Tendo suas origens numa acepção próxima da geopolítica nos tempos da Grécia Antiga, a noção foi recuperada para o mundo contemporâneo pelo pensador italiano Antonio Gramsci. E passou a ser utilizada no campo das ciências humanas em geral. Pode ser vista como supremacia, influência preponderante, autoridade soberana, liderança ou predominância. No campo das disputas políticas e ideológicas, então, revela-se com propriedade para se avaliar as forças e as potencialidades das idéias.

Os tempos em que vivemos são de forte indefinição. Seja no plano internacional e dos grandes projetos de construção de alternativas de sociedades. Seja no plano regional e da construção de blocos geopolíticos com suas características particulares. Seja no plano nacional e na definição de um modelo de desenvolvimento inclusivo e equitativo.

Essa indefinição é ainda mais evidente quando se trata de discutir as alternativas de política econômica para um país que ainda não integra o grupo dos chamados “industrializados e desenvolvidos”, em especial em um momento que se sucede à crise financeira internacional de 2008. E aqui chegamos ao Brasil, 2011.

O surgimento da crise a partir da seqüência de quebra de instituições financeiras no mercado norte-americano. A incapacidade do governo daquele país, dos europeus e demais países industrializados em encontrar soluções, a partir do ideário até então vigente no circuito econômico do establishment. A necessidade - criada pelas condições objetivas do desespero da crise - de recorrer a instrumentos teóricos e de ação de políticas públicas até ontem considerados heréticos e irresponsáveis. A superação dos ditames do Consenso de Washington, sem passar sequer pelo necessário processo de autocrítica dos elementos que lhe davam sustentação teórica. O salto do mais puro estilo do neoliberalismo para uma postura de natureza filo-keynesiana. A facilidade com que passaram a ser aceitas determinadas idéias, como as de que nem sempre o mercado apresenta as soluções mais eficientes e que a ação do Estado pode ser necessária - sim ! - para corrigir distorções de natureza social e econômica.

Os paradigmas mudaram muito rapidamente nos espaços de tomada de decisão, mas as cabeças das pessoas que ali estão ainda foram formadas no antigo pensamento hegemônico da escola superada pela força da realidade. Dessa forma, assistimos a uma disputa de projetos e idéias no interior das organizações multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM), por exemplo. Assistimos a longas polêmicas no interior das universidades e dos centros de pesquisa.

Assistimos a intensos debates entre antigos e novos economistas a respeito dos rumos e das alternativas de política econômica. Porém, o tempo de sedimentação das novas formas de encarar o fenômeno econômico é lento, é o da velocidade da mudança das idéias. E o tempo da tomada de decisão das autoridades públicas é o do aqui-e-agora, a urgência do imediatismo necessário para conduzir o País em seu cotidiano.

E aqui entra a estratégia inteligente do financismo. Ao perceber que não está consolidada ainda uma estratégia alternativa ao modelo neoliberal, os interesses derrotados pela própria História – que alguns até afirmaram que havia terminado... – passaram a uma postura mais defensiva, aguardando os momentos mais adequados para se manifestar e buscar o caminho da volta por cima. Como não dá, por enquanto, para questionar abertamente as novas orientações do FMI a respeito da necessidade de controle de capitais, os representantes do capital financeiro passaram a minar e desacreditar tais propostas por meio de seu acesso aos grandes meios de comunicação. Como não dá para criticar ostensivamente a volta da presença do Estado na esfera econômica a partir do aprofundamento da crise, os representantes do capital financeiro passam a destilar – pontualmente - seu veneno contra os males da ação pública, com a ajuda do espaço oferecido pelos grandes jornais. Como tornou-se impossível continuar proclamando a panacéia da “solução de mercado” - o suposto livre jogo das forças de oferta e demanda – para todos os problemas da economia, os representantes do capital financeiro viram-se obrigados a aprimorar suas capacidades para criticar todo e qualquer desvio como sendo intrínseco da ausência da famosa “liberdade de empreender”. Em suma, uma conduta em que buscam desqualificar o adversário, mesmo sabendo que não têm alternativas a oferecer no curto prazo, a não ser a preservação de seus postos e um envergonhado retorno a um tempo passado, que à maioria não interessa.

Ou seja, nesse período de disputa hegemônica por novas idéias e novos modelos, os órgãos da grande imprensa são o palco privilegiado para o capital financeiro resistir às mudanças e oferecer todas as suas baterias para desacreditar as alternativas que vão sendo construídas pouco a pouco. Os grandes jornais e órgãos de comunicação criam uma verdadeira blindagem a interpretações alternativas para o fenômeno econômico. Os comentaristas analistas e especialistas ouvidos são quase sempre os mesmos, repetindo em monocórdio as mesmas interpretações e apresentando as mesmas sugestões.

Eles próprios constroem o cenário sobre o qual pretendem atuar, oferecendo a sua própria solução. E a imprensa se encarrega de reproduzir tal quadro, repetindo os pressupostos ad nauseam e criando um falso clima de consenso na sociedade. É a tal busca da supremacia na marra, a construção da hegemonia com características de artificialidade.

Esse processo é bem visível no debate atual das alternativas de política econômica em disputa no interior da equipe da Presidenta Dilma. A toda e qualquer tentativa de apresentar um mecanismo diferente da elevação da taxa de juros para conter a demanda, o financismo sai a campo para desmontar a possibilidade. A tática mais utilizada é a criação de um clima de catastrofismo nos dias que antecedem às reuniões do COPOM, de maneira a pressionar pela elevação da SELIC. Os jornais contribuem também ao municiar os leitores com informações alarmistas a respeito do risco da inflação escapar do controle. Gritam que a inflação está saindo da meta de 4,5% ao ano, mas nada mencionam a respeito do intervalo aceitável até 6,5%. Expõem as previsões para os índices de inflação, mas não analisam a sua composição para verificar o quanto a taxa de juros é ineficiente para reduzi-los.

Quando setores do governo reconhecem os prejuízos que nossa sociedade e nossa economia estão sofrendo com a teimosia de manter a política de “liberdade cambial”, o financismo vem para as manchetes denunciar os riscos da intervenção pública no mercado de moedas estrangeiras. De acordo com as opiniões dos analistas sempre de plantão, o ideal seria aguardar pacientemente o “dia do equilíbrio final”, quando então a oferta e a demanda deverão se igualar no mercado de divisas em nossas terras. A respeito dos riscos e dos custos sociais embutidos nessa hipótese – desindustrialização, risco nas contas externas - quase ninguém é chamado a se manifestar nas páginas de economia de nossos periódicos.

Quando os representantes do capital financeiro vêm a público exigir em alto e bom tom a redução dos gastos públicos, não há uma única linha escrita observando que um dos maiores itens de despesa orçamentária dá-se justamente com o pagamento de juros e serviços da dívida pública. E que esse tipo de gasto estéril só aumenta ao longo do ano, a cada decisão do COPOM em aumentar a taxa de juros. E que, ao contrário, os gastos na área especial apresentam uma taxa alta de retorno social e econômico, inclusive via pagamento de tributos. Mas eles insistem na direção oposta: o governo deve cortar os gastos na própria carne, mas que não ouse tocar no filet mignon das despesas financeiras!

Em suma, os representantes do capital cumprem bem com a sua tarefa de criticar marginalmente as decisões do governo sempre que forem contrários aos seus interesses. E encontram nos órgãos de imprensa um eficiente mecanismo de ressonância, com a intenção de criar o falso clima de hegemonia construída na opinião pública.

Um detalhe que não pode passar desapercebido, porém, é que contam com a boa vontade justamente dos responsáveis pelo governo nessa sua empreitada, uma vez que não se encontram vozes suficientes para criticar de forma efetiva as viúvas do neoliberalismo. Tudo indica que o temor das ameaças do capital financeiro ainda é muito presente. E isso contribui para tornar ainda mais lenta a desconstrução ideológica da ordem antiga e mais difícil a construção de um novo modelo a ser aceito na sociedade.

Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

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