terça-feira, 5 de agosto de 2008

Aves de rapina (Sebastião Nery - Tribuna da Imprensa)

Em janeiro de 1964, o presidente João Goulart chamou ao Palácio do Planalto o deputado Sergio Magalhães, do PTB do Rio: "Amanhã, regulamento sua lei. Sinto, entretanto, que posso estar assinando minha deposição".

Estava. Dois meses depois, o golpe de 64 depunha João Goulart. Que diabo de lei era essa, que levava a rasgarem uma Constituição, derrubar um presidente e jogar o País em 20 anos de ditadura militar?

Essa história foi relembrada agora, e muito bem relembrada, pelo jornalista Pedro do Coutto, testemunha ocular da história, nesta TRIBUNA DA IMPRENSA.

É uma das mais vis e mais sórdidas vergonhas da história do País.
Vargas

É uma história que vinha de longe, de dez anos antes. Já na Carta Testamento, deixada na sua mesinha de cabeceira do Catete, na manhã do suicídio, em 24 de agosto de 1954 (há 54 anos), Getulio Vargas denunciava:

"A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais... A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso... Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano... Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida".

Exatamente às 8,30 de um mesmo agosto, de 54, deu um tiro no peito.
Sergio Magalhães

Quatro anos depois, em 59, o pernambucano Sergio Magalhães (irmão de Agamenon Magalhães), deputado do Rio desde 55, apresentou "o projeto nº 1 de limitação da remessa de lucros para o exterior, baseado nos princípios defendidos pelo então deputado Francisco Saturnino Braga" (pai do ex-senador Roberto Saturnino) e redigido pelo economista Gilberto Paim: remessa para o exterior de 10% dos lucros e aplicação do resto no País.

"Ampliou-se o debate em torno da questão dos lucros excessivos das empresas estrangeiras. Ao projeto foram agregadas as emendas elaboradas por Barbosa Lima Sobrinho e Francisco Saturnino Braga, que o deputado Celso Brant (do PR de Minas), relator da Comissão de Finanças, sistematizou num novo projeto. Em agosto de 62, o projeto foi afinal aprovado na Câmara, rejeitando o substitutivo do senador udenista Mem de Sá (RS), que propunha a delegação de poderes à Sumoc (DHBB-FGV)".

As pressões e ameaças eram tantas, que Jango não sancionou a lei, afinal promulgada pelo presidente do Congresso, Auro de Moura Andrade.
Jango

Começou a guerra. O projeto não era auto-aplicável. Precisava ser regulamentado. Durante o ano de 63, a Frente Parlamentar Nacionalista, presidida por Sergio Magalhães (da diretoria participavam Leonel Brizola, Aurélio Viana e Max da Costa Santos do Rio, Paulo de Tarso e Rubens Paiva de São Paulo, Bento Gonçalves de Minas, Fernando Santana da Bahia, Neiva Moreira do Maranhão, Ferro Costa do Pará e Adail Barreto do Ceará), lançou uma campanha nacional pela regulamentação da lei.

Afinal, em janeiro de 64, Jango assinou a regulamentação. E caiu, como sabia e previu. O primeiro ato do general Castelo Branco ao assumir a chefia da ditadura de 64 foi revogar a lei dos 10% da remessa de lucros e cassar os dirigentes da Frente Nacionalista em todos os estados. Pagava a promissória de quem financiou e comandou o golpe que o fez presidente.
Castelo

São coisas do passado? Não. É o sangue do País que continua escorrendo, com Castelo ou com Lula (os traidores só mudam de nome): "As contas externas brasileiras, no primeiro semestre deste ano, registraram um déficit de US$ 17,4 bilhões, o maior do período desde que o Banco Central começou a funcionar em 65. Causa principal: as remessas de lucros para o exterior, no patamar de US$ 18,9 bilhões" ("Folha").

Arredondando, são 20 bilhões de dólares (30 bilhões de reais). Três vezes o que o País gasta com o Bolsa Família (10 bilhões de reais), que mata a fome de 11 milhões de famílias, 50 milhões de pobres e miseráveis.
Banco Central

Mas a sangria não vem só dos escandalosos lucros (não taxados) mandados para o exterior pelas empresas multinacionais. É também dos obscenos juros que o Banco Central (o sindicato dos bancos) sobe e paga:

1 - "Gasto do setor público com juros é o maior em 17 anos - Valor aumentou 11,6% e chegou a R$ 88 bilhões no primeiro semestre".

2 - "Os gastos do setor público (governo federal, estados, municípios e estatais) com os juros de suas dívidas cresceram 11,6% e chegaram a R$ 88,026 bilhões no primeiro semestre deste ano, maior valor já registrado desde 91, quando começaram a ser calculados pelo BC".

3 - "Outro fator a impulsionar os gastos com juros é o prejuízo que o Banco Central tem com o chamado `swap cambial reverso', operação feita no mercado financeiro, que corresponde a uma compra futura de dólares. Com o dólar em constante queda, essas aquisições feitas pelo Banco Central resultam em perdas que são contabilizadas como despesas com juros. No primeiro semestre, o prejuízo acumulado com as operações de `swap' somou R$ 4,8 bilhões". (Ney Hayashi da Cruz, "Folha").
Besteirol

Os debates eleitorais que as televisões começam a promover parecem entrevista de concurso de miss: cada um não pode falar além de uma frase. Um minuto para perguntar ou responder ou contestar. Vira um besteirol.

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